“Depois de todos esses meses, essa é a primeira vez que venho a um lugar como este de verdade, sem tomar remédio, sem me preocupar, sem me sentir insegura e sorrindo livremente e espontaneamente. Muito obrigada!”. O depoimento é de Rose Pereira, que faz tratamento há dois anos no Centro de Atenção Psicossocial (CAP) da Amazônia, no bairro da Marambaia, sobre uma das oficinas promovidas pelo grupo República do Cuidado na Praça da República.
No decorrer do mês de maio, o grupo de saúde e teatro promoveu diversos encontros abertos no Teatro Waldemar Henrique voltados para trabalhadores e usuários da rede de saúde mental de Belém. O Projeto surgiu com a finalidade de promover atividades com vivências em Teatro do Oprimido, Música e Palhaçaria, Cirandas e Rodas de Cuidado, além de práticas tradicionais e populares de saúde, que culminam no Cortejo Cultural do dia 24 de maio em comemoração ao Dia Nacional da Luta Antimanicomial.
Larissa Medeiros é professora de Psicologia da Universidade da Amazônia (Unama), e faz parte do Coletivo Embalando a Rede e do Movimento da Luta Antimanicomial. De acordo com ela, quem já vestiu a camisa da Luta Antimanicomial e já participou das marchas que ocorreram em anos anteriores vai se surpreender com o Cortejo Cultural preparado para este ano. “A parte cultural foi modificada e teremos uma banda de fanfarra. Graças ao apoio da Trupe da Procura, que promoveu as oficinas de mobilização, as pessoas foram preparadas para brincar na rua”, adianta. Atenção ainda para a mudança de trajeto! Em vez da tradicional concentração na “Escadinha”, próxima à Estação das Docas, os participantes devem se encontrar às 9h na Praça da Republica, de onde seguirão para a Praça Batista Campos.
Um dos coordenadores da República do Cuidado é o palhaço e médico de rua Vitor Nina. Para quem nunca ouviu falar, a especialidade “médico de rua” existe sim e trabalha no cuidado do “Povo em Situação de Rua” por meio do “Consultório na Rua”, política nacional promovida em Belém pela Secretaria Municipal de Saúde (Sesma). Nina também é um dos coordenadores artecientíficos da Trupe da Procura, projeto do Núcleo de Artes e Imanências em Saúde da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Pará (NARIS). Para ele, o cortejo é um exercício de liberdade. “A República do Cuidado é oficina, espetáculo e manifesto: uma experiência democrática de expressão e de convívio afetuoso para produzir cidadania e, em última instância, saúde. São rodas em que todas e todos podem entrar e expressar sua singularidade através do teatro, da educação popular, da cultura tradicional, dos saberes ancestrais que todos e cada um têm imanentes em si”, declara.
ADESÃO: basta ser solidário
A causa chamou a atenção de profissionais de outros segmentos que não o das ciências biológicas. É o caso da atriz Carol Magno. Para ela, vale a pena abraçar a causa porque ela é completamente contra os manicômios. “O manicômio é uma espécie de prisão, só que maquiada. A sociedade coloca como se fosse uma casa de saúde, mas, na verdade, a gente sabe que não é bem assim. Eu acho que toda e qualquer pessoa merece carinho, merece cuidado, merece ficar com a família, não merece ser excluída e o manicômio provoca exatamente isso: a exclusão”, argumenta.
DEPOIMENTO: O poder do afeto
Depois de passar por experiências extremamente traumáticas, Rose Pereira ficou afastada do convívio social por mais de um ano. Recentemente, no entanto, aconselhada por uma médica, decidiu buscar novamente a interação com as pessoas. “Ela me disse que eu era muito comunicativa e que eu estava piorando porque eu estava em casa, presa, sem me comunicar com ninguém”, conta. Depois que decidiu “botar a cara no sol”, Rose garante que sentiu “uma melhora incrível!”. Sobre sua participação em uma das oficinas de preparação para o Cortejo Cultural República do Cuidado na Luta Antimanicomial, ela declara: “Um lugar como esse não é apenas um teatro corporal, não é você gritar, falar ou fazer careta. Ele é muito mais que isso. Ele lhe dá perspectiva, lhe dá vontade de querer recomeçar e até voltar a fazer o que você fazia antes”.
REPÚBLICA DO CUIDADO: O que é isso?
O Projeto República do Cuidado consiste em atividades facilitadas pelo grupo de teatro e saúde Trupe da Procura, sendo uma das atividades oferecidas pelo coletivo Embalando a Rede, que congrega serviços de saúde, artistas, grupos e movimentos sociais relacionados à Saúde em geral e, mais especificamente, à saúde mental, tais como alguns CAPS e o Movimento de Luta Antimanicomial (MLA).
Texto e foto: Bianca Leão, assessora de encrencas da Trupe da Pro-Cura.
Vitor Nina
“Gostaria novamente de convidar todas e todos para participar de nossa roda. Ensina Vitor Pordeus, um de nossos mestres inspiradores do trabalho: Há um saber em todo ser, e todos somos atores, cientistas, loucos e curandeiros, basta praticarmos as paixões alegres! Venham para a nossa roda: ‘se você não faz teatro, qualquer teatro faz você’. O Afeto é o centro do Universo! Evoé!”. Vitor Nina, palhaço e médico de rua.
“Essa manifestação é uma manifestação da liberdade e, por isso, todo mundo está convidado a participar conosco. Não importa se a pessoa é da área da saúde mental, é um momento de brincar celebrar a vida e a liberdade”. Larissa Medeiros, professora de Psicologia da Universidade da Amazônia (Unama), membro do Coletivo Embalando a Rede e do Movimento da Luta Antimanicomial.
CONFIRA ALGUMAS FOTOS DA REPÚBLICA DO CUIDADO AQUI:
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