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18/09/2015, Impressões e expressões de dias que passaram e ainda não passaram

Reginaldo Terra, quero passar um grande tempo em sua mansão.Reginaldo Terra, passaria longos tempo em sua mansão cor de rosa.

Assim como costumam dizer que as paredes escutam, descobri que elas falam também. Podem ser cochichos ou gritos do que as pessoas sentem, das mensagens que elas carregam.
As paredes sem cor do quinto andar carregavam a mesma mensagem que os portões fechados carregavam. As paredes captavam as macas e o aprisionamento daquelas pessoas, que entoavam cânticos de amor chorando, querendo ir embora, pra o festejo do andar de baixo, para o festejo de suas vidas.
Enquanto Moacir chorava, enquanto as mulheres choravam, eu me espantava, me indignava, e o que há de gente em mim se afetou e se emocionou no que havia de gente do outro lado do portão trancado, fui assim em busca do abraço que queria. Isso engendrou em mim uma potencia de afeto e para modificação. Na realidade, todos esses dias me trouxeram isso,a partir do momento que vi o quanto iam se colorindo as paredes do hospício, com exceção das paredes das enfermarias, que, alias, tinha apenas uma colorida, no quarto andar, resquícios de luta.
Aquelas enfermarias eram apenas o último aprisionamento que aquelas pessoas que estavam lá enfrentavam, o espaço que ocupava era pura contradição, e, de forma paradoxal, as paredes de lá, muitas vezes, eram as únicas a quem eles e elas falavam, beges, como branco desgastado. Já lá pelos andares de baixo, no hotel e SPA da loucura, as paredes e suas cores, comunicavam muitas coisas, sem esquecer da sua história, por isso, mais ainda, elas libertavam, como as telas dos ateliês. Ali estavam as tintas de uma liberdade espalhada nos cânticos, nos rituais e em outras inúmeras expressões.
Durante esses dias o que senti foram grandes extravasamentos nos lindos detalhes que se formavam como carnaval: o queixo arqueado da risada daquele que tinha uma linda mansão rosa em Niterói; aquele que transmitia pelo olhar todos os bonecos, brinquedos e pelúcias que vivia carregando; a companhia especial daquele que não consigo descrever o porque, mas foi muito importante ali pra mim; a energia da dança as 5 horas da manhã do mestre das embaixadinhas, cantor, compositor, ator e tudo mais que sua liberdade lhe permitia; as cotidianidades da convivência com um grande amor; aquele afetuoso homem, que cuidou de mim esses dias e me escreveu um poema…
Cochichei e acima de tudo escutei cada uma dessas manifestações, assim, pude ser pintora, palhaça, artista, assim, pude ser humana.
Gratidão.
“Porque voce entende o que falo eu hentendo o que voce fala”

Alguns relatos de minha primeira experiência no Ocupa Nise.

11986571_10208215932182920_1864358170625891195_nPimentinha, Paula Barroso, trupeana, palhaça, atriz, cortejante de sorrisos e de minha imaginação,…


Eles cuidam…

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Existe uma série de processos pelos quais se passa para chegar ao grande ápice que é entrar num hospital vestido de palhaço e praticar a famosa palhaçoterapia. Ensaios, aprender a usar a voz, o corpo, ler livros e artigos, assistir filmes etc.

Ao longo de todo esse processo a ansiedade cresce mais e mais. Então quando chega de fato o grande dia você se pega pensando completamente insegura de si “Será que eu, apenas uma estudante, tenho capacidade e competência para levar sorrisos e alegria a tantas crianças enfermas?”

Quando esse grande dia chega, o fim dele torna possível chegar a algumas conclusões. Uma delas é que a resposta é “Não. Não sou capaz.” Elas – as crianças – é que são capazes de me estimular a tal ponto que de repente nós estamos rindo juntas num processo de cura e cuidado mútuo.

O abraço inesperado, a honra de uma dança silenciosa, um entrada silenciosa, pois as crianças dormem, a descoberta de que todos que encontram-se no hospital precisam da palhaçoterapia e não só as crianças, afinal todos estão adoecidos pelo cansaço, pelo estresse, pelos salários atrasados, pelas horas sem dormir ou dias sem dormir decentemente…

E eu, caloura de Medicina na Universidade Federal do Pará fui atingida bem na boca do estômago pela percepção de que o hospital salva vidas, mas não cura ninguém. A equipe médica, os assistentes, cozinheiros, faxineiros dão remédios, mantêm a higiene do local, saram o seu corpo, mas o ambiente hospitalar é tão opressor que muitas vezes você sai de lá com a mente, o coração e a alma ainda mais machucados e maltratados. E de repente eu me percebo em posição de poder cuidar dessas feridas levando o sorriso e sendo cuidada e cativada com os curiosos olhares. E na minha incapacidade técnica de exercer medicina, eu me vejo satisfeita sendo uma cuidatora (ou seria cuidatriz?)

Findar na palhaça Malinha as frustrações que se acumulavam na menina Júlia… A missão que tem dado certo.

(mais…)


Observador de primeira viagem

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Aqui vai o relato de alguém que viu pela primeira vez a palhaçaria no ambiente hospitalar, então peço desculpa se sair meio confuso.

Pimentinha e Tchutchucona foram as palhaças responsáveis pela entrada de hoje e eu fiquei com a parte do registro das imagens. Já na sala de descanso na preparação e aquecimento os palhaços surgiram naturalmente e seguiram puxando o riso das funcionárias do hospital, que elogiaram muito o trabalho da trupe e foram muito receptivas comigo. Na primeira enfermaria o publico não estava meio desconfiado no começo, ainda era cedo e haviam poucas crianças mas as palhaças conseguiram desenvolver muito bem o riso que acabaram sendo seguidas pelas crianças que queriam continuar na brincadeira. Teve até um menino do segundo quarto, Ezequiel, que tava triste no começo mas que depois, quando elas já estavam no último quarto, ele aparece pra ver as meninas de novo e até pude tirar uma foto dele correndo delas e sorrindo. Já as palhaças conseguiram usar muito bem o ambiente e os itens que tinham por lá, papel higiênico virou corda, pente virou seringa, leito virou avião e banheiro virou cadeia. Teve dança, desfile, cantoria, quedas e até perseguição policial. Não vou esquecer do momento quando a Tchutchucona levou a Pimentinha pra passear na cadeira de rodas e saíram correndo pelo hospital até que ouve-se um barulho e quando chego lá a Pimentinha tava no chão em uma posição muito engraçada e o melhor é que não foi planejado, ela tava tão envolvida com seu palhaço que a queda saiu cômica espontaneamente. Enfim, as cenas não ficaram cansativas e as crianças tiveram muita participação na brincadeira, foi um sucesso e uma descoberta muito grande pra mim que espero estar ao lado delas em breve.

  • Pedro Heinrich, aprendiz de feiticeiro…opa, quero dizer, de palhaço mesmo.

Ocupemos!

O que seria de uma cidade cujos habitantes vivessem entocados em espaços privados por medo da violência em espaços públicos? Na Grécia Antiga, os cidadão tinham o hábito de se reunir na Ágora, que era uma espécie de praça. Lá, mercadorias eram comercializadas e aconteciam as manifestações cívicas e religiosas. Na Ágora também eram realizados os debates políticos, o que os permitiam falar em demo (povo) kracia (governo).  Ora, sem ocupação dos espaços públicos, como é possível hoje se falar em democracia? Será que o povo só governa quando vota em um candidato em dia de eleição? A necessidade de ocuparmos  espaços públicos ficou muito evidente quando os ensaios da Trupe começaram a acontecer em lugares abertos. Foi em uma praça pública que  nos familiarizamos com a realidade de uma jovem que  trabalha com malabares nos semáforos da cidade. Foi em praça pública que tivemos a oportunidade de trocar ideias com um grupo de alunos de Jornalismo sobre a falta de espaços para promoção de cultura em Belém. Também em praça pública atraímos a atenção de profissionais da saúde para a importância da luta antimanicomial. Não é à toa  que nos últimos tempos a palavra de ordem dos movimentos culturais de Belém seja OCUPAÇÂO. É por meio da convivência em espaços públicos que tomamos conhecimento da realidade um do outro.  A rua é um espaço de todos. Ocupemos! 11427197_10203507407166300_7962760934011224732_n Risadinha é palhaça e assessora de encrenca da Trupe da Pro-cura.


A volta da Risadinha

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Depois de um longo e tenebroso inverno, lá estava a Risadinha de volta ao Barros (21/06/2015). Preocupada, é bem verdade. Era inevitável o medo de incomodar pessoas que já estavam em uma situação tão incômoda. Ao subir as escadas em direção à área de internação, percebi que eu me lembrava do caminho e isso me deixou bem mais confortável. Montar minha palhaça na salinha de descanso, lavar as mãos no aquário das enfermeiras e repetir todo o ritual antes da entrada renovou minha coragem e eu só conseguia me sentir muito feliz por estar ali. A confiança nos palhaços Pimentinha e Paladino, sem dúvida, também espantou o medo e… voilà! Antes mesmo de ter os palhaços prontos, o espírito da brincadeira já tinha nos dominado. Enquanto nos maquiávamos, cantávamos e ríamos das músicas “do nosso tempo”: de “Please don’t go” a Wesley Safadão.
Ao entrar nas enfermarias, muita música, muita intriga e… casamento. Vocês acham que a Risadinha ia perder a oportunidade de casar Pimentinha e Paladino? Pois eles não só casaram, como casaram duas vezes. A segunda, sem patifaria!
É… nem tudo transcorreu às mil maravilhas. A maioria dos pacientes era crianças de colo em uma das alas, o que tornava bem difícil a interação. A ideia inicial era cantar, mas as primeiras músicas que tentamos não funcionaram. Até que veio a da galinha pintadinha… (Gente, qual é o mistério dessa galinha?!). Conseguimos perceber um pescoço virando para que um boyzinho pudesse nos olhar. Agora sim, uma permissão para ficarmos mais. Cantamos mais um pouquinho e desejamos que aquelas crianças já estivessem boas no domingo que vem e bem longe do hospital.
Em outra ala, outra surpresa ritmada. Nenhuma música funcionava até que… pasmem… O gordinho gostoso! Que não é Friboi, mas está na moda e, sim, a meninada gosta! Mas gostoso mesmo foi ver a manhã de domingo passar voando depois de tanta brincadeira. Ver o sorriso e ouvir a risada das crianças e de seus pais é sempre o ápice de qualquer entrada. Que venham outras ainda mais gostosas e que os novos invernos sejam livres de longas hibernações para a Risadinha. Evoé!

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Risadinha é palhaça e assessora de encrencas da Trupe da Procura


Polêmica no anual concurso de Miss e Mister Caipira da Escola Dr. Celso Malcher!

FotoCandidatos palhaços indignados com a corrupção na escolha dos jurados e com os votos deles interromperam o concurso, desfilaram seu rebolado ridículo, tentaram roubar o prêmio dos vencedores e saíram deixando a maior confusão no local! Procura-se!”

Hoje (19/06/2015) foi dia de festa junina, palhaço e boi bumbá. Ocupar o espaço público é o que queremos como medida de auto-organização democrática e de saúde pública. Para isso buscamos o que de melhor o povo tem, a cultura popular. Vestidos de cores fortes, os cidadãos dançam e cantam em ritual ancestral de liberdade e cura, guiados pelos curumins, pelas crianças ao estado de fantasia onde tudo o que se imagina é. Assim gestaremos uma nova cidade, onde serão superadas as prisões que encarceram o jovem pobre da periferia antes de ele nascer, do camburão da polícia, o sistema privatizado de transporte público, o sistema cultural isolado no centro histórico. Construiremos juntos a mudanças que queremos enquanto corpo público, uma vez de mãos dadas em ciranda lutando pela educação numa uma ação cultural pela liberdade ninguém deterá os brincantes, nenhum governo que ignora o sistema de educação sobreviverá. Se o centro é deles, a periferia é nossa, há muito tempo a terra firme resiste culturalmente à cidade. O que eles farão quando perceberem que estão cercados?



Selecionado pelo Programa Mais Cultura nas Escolas do Ministério da Cultura como atividade cultural parceira da Escola Dr. Celso Malcher, o NARIS vem trabalhando há pouco mais de seis meses na instituição. São ofertadas oficinas de teatro do oprimido, palhaçaria, iniciação à musicalidade e poesia. A continuidade das oficinas já ofertadas e atividades de técnicas circenses está programada para o segundo semestre de 2015. Mesmo com todos os problemas de uma escola pública, seguiremos armando nosso circo aos poucos.

Preguiço

Texto: Palhaço Preguiço

Lucas

Fotos: Nagib Lucas Passos


Crônica do Corredor

11401267_10206308165038103_6351238152589703894_nEntre leitos, portas e corredores silenciosos de um hospital público, um pequeno território de alegria e trapalhada se expandia. Em um quarto de descanso daquele mesmo hospital, dois palhaços acordavam de um cochilo breve. Eram sapatos, narizes, meia coloridas, um tutu laranja e um cachecol, se desarranjando juntamente a sons de aquecimento e escalas sonoras. Esse preparo precedia uma surpresa de um domingo de manhã.

Do outro lado da porta, uma ala pediátrica. Crianças internadas por dias, pais claramente abatidos. Não parecia que a presença do palhaço era o que ajudaria no que eles precisavam: saúde. Então eles levantaram a bandeira de expansão, apareceram na primeira enfermaria. Nenhuma piada, alguns tropeços e um turbilhão de ideias.
Aqueles palhaços cheios de humanidade, dois corações pulsando, usando o ridículo como especialidade, mostravam que o ambiente do hospital, com todo o jugo de angustia, criava possibilidade de passagem a algo que aquelas pessoas precisavam, mas talvez não tivessem lembrado: o riso.
Então como num mergulho de 50 metros, um salto de imaginação ecoa em som! Aquela sala se torna um parque aquático, uma poça vira piscina, acesso venoso vira raio congelante, uma enfermeira se torna funcionária e uma fábrica de chocolate é o que mantém todas aquelas crianças no quarto. Mudando o foco da dor, mas não esquecendo dela.
A cruzada continuava e como uma epidemia, o corredor transmitia som, luz e ação. O corredor era a passarela da alegria, a expectativa e o riso inevitável já estavam na porta dos quartos antes mesmo de um palhaço entrar. Agora não só as crianças, mas pais e mães, funcionários estavam na ciranda! Por vezes descontando uma frustração amorosa e até criando o roteiro em que o palhaço se tornava um detalhe, porque a contaminação havia acontecido.
E assim foram fotos e filmagens dos palhaços, cenas de TV, salão de beleza com corte, lavagem e penteado, dançinhas, pedido de noivado, casamento de palhaço com madre fazendo a cerimônia e daminha trazendo aliança. A brincadeira não tinha espaço pra acabar, mas na saída pra lua de mel, uma pai chama a filha: “Dá um abraço no palhaço. Bate foto com ele”. “Eu já vou embora amanhã, palhaço. Como vou te ver de novo?”. E chora.
Dois palhaços cheios de humanidade, agora vários corações pulsando com eles. Inclusive o meu.

4Layser Gama é palhaça, atriz de rua e professora.


Por uma sociedade sem manicômios

TRUPE

“Depois de todos esses meses, essa é a primeira vez que venho a um lugar como este de verdade, sem tomar remédio, sem me preocupar, sem me sentir insegura e sorrindo livremente e espontaneamente. Muito obrigada!”. O depoimento é de Rose Pereira, que faz tratamento há dois anos no Centro de Atenção Psicossocial (CAP) da Amazônia, no bairro da Marambaia, sobre uma das oficinas promovidas pelo grupo República do Cuidado na Praça da República.

No decorrer do mês de maio, o grupo de saúde e teatro promoveu diversos encontros abertos no Teatro Waldemar Henrique voltados para trabalhadores e usuários da rede de saúde mental de Belém. O Projeto surgiu com a finalidade de promover atividades com vivências em Teatro do Oprimido, Música e Palhaçaria, Cirandas e Rodas de Cuidado, além de práticas tradicionais e populares de saúde, que culminam no Cortejo Cultural do dia 24 de maio em comemoração ao Dia Nacional da Luta Antimanicomial.

Larissa Medeiros é professora de Psicologia da Universidade da Amazônia (Unama), e faz parte do Coletivo Embalando a Rede e do Movimento da Luta Antimanicomial. De acordo com ela, quem já vestiu a camisa da Luta Antimanicomial e já participou das marchas que ocorreram em anos anteriores vai se surpreender com o Cortejo Cultural preparado para este ano. “A parte cultural foi modificada e teremos uma banda de fanfarra. Graças ao apoio da Trupe da Procura, que promoveu as oficinas de mobilização, as pessoas foram preparadas para brincar na rua”, adianta. Atenção ainda para a mudança de trajeto! Em vez da tradicional concentração na “Escadinha”, próxima à Estação das Docas, os participantes devem se encontrar às 9h na Praça da Republica, de onde seguirão para a Praça Batista Campos.

Um dos coordenadores da República do Cuidado é o palhaço e médico de rua Vitor Nina. Para quem nunca ouviu falar, a especialidade “médico de rua” existe sim e trabalha no cuidado do “Povo em Situação de Rua” por meio do “Consultório na Rua”, política nacional promovida em Belém pela Secretaria Municipal de Saúde (Sesma). Nina também é um dos coordenadores artecientíficos da Trupe da Procura, projeto do Núcleo de Artes e Imanências em Saúde da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Pará (NARIS). Para ele, o cortejo é um exercício de liberdade. “A República do Cuidado é oficina, espetáculo e manifesto: uma experiência democrática de expressão e de convívio afetuoso para produzir cidadania e, em última instância, saúde. São rodas em que todas e todos podem entrar e expressar sua singularidade através do teatro, da educação popular, da cultura tradicional, dos saberes ancestrais que todos e cada um têm imanentes em si”, declara.

ADESÃO: basta ser solidário

A causa chamou a atenção de profissionais de outros segmentos que não o das ciências biológicas. É o caso da atriz Carol Magno. Para ela, vale a pena abraçar a causa porque ela é completamente contra os manicômios. “O manicômio é uma espécie de prisão, só que maquiada. A sociedade coloca como se fosse uma casa de saúde, mas, na verdade, a gente sabe que não é bem assim. Eu acho que toda e qualquer pessoa merece carinho, merece cuidado, merece ficar com a família, não merece ser excluída e o manicômio provoca exatamente isso: a exclusão”, argumenta.

DEPOIMENTO: O poder do afeto

Depois de passar por experiências extremamente traumáticas, Rose Pereira ficou afastada do convívio social por mais de um ano. Recentemente, no entanto, aconselhada por uma médica, decidiu buscar novamente a interação com as pessoas. “Ela me disse que eu era muito comunicativa e que eu estava piorando porque eu estava em casa, presa, sem me comunicar com ninguém”, conta. Depois que decidiu “botar a cara no sol”, Rose garante que sentiu “uma melhora incrível!”. Sobre sua participação em uma das oficinas de preparação para o Cortejo Cultural República do Cuidado na Luta Antimanicomial, ela declara: “Um lugar como esse não é apenas um teatro corporal, não é você gritar, falar ou fazer careta. Ele é muito mais que isso. Ele lhe dá perspectiva, lhe dá vontade de querer recomeçar e até voltar a fazer o que você fazia antes”.

REPÚBLICA DO CUIDADO: O que é isso?

O Projeto República do Cuidado consiste em atividades facilitadas pelo grupo de teatro e saúde Trupe da Procura, sendo uma das atividades oferecidas pelo coletivo Embalando a Rede, que congrega serviços de saúde, artistas, grupos e movimentos sociais relacionados à Saúde em geral e, mais especificamente, à saúde mental, tais como alguns CAPS e o Movimento de Luta Antimanicomial (MLA).

Texto e foto: Bianca Leão, assessora de encrencas da Trupe da Pro-Cura.

NINA

Vitor Nina

“Gostaria novamente de convidar todas e todos para participar de nossa roda. Ensina Vitor Pordeus, um de nossos mestres inspiradores do trabalho: Há um saber em todo ser, e todos somos atores, cientistas, loucos e curandeiros, basta praticarmos as paixões alegres! Venham para a nossa roda: ‘se você não faz teatro, qualquer teatro faz você’. O Afeto é o centro do Universo! Evoé!”. Vitor Nina, palhaço e médico de rua.

Larissa Medeiros“Essa manifestação é uma manifestação da liberdade e, por isso, todo mundo está convidado a participar conosco. Não importa se a pessoa é da área da saúde mental, é um momento de brincar celebrar a vida e a liberdade”. Larissa Medeiros, professora de Psicologia da Universidade da Amazônia (Unama), membro do Coletivo Embalando a Rede e do Movimento da Luta Antimanicomial.

CONFIRA ALGUMAS FOTOS DA REPÚBLICA DO CUIDADO AQUI:

https://www.facebook.com/caroline.souza.54379/media_set?set=a.10204378228123832.1073741880.1474187571&type=1&pnref=story


V FAS-CE PAIAÇO – Na Natureza do Cuidado

https://vimeo.com/112879129Na Natureza do Cuidado

Resgatar a natureza do cuidado!

O V Fas-ce Paiaço é o ciclo de oficinas e vivências que será realizado pela Trupe da Procura e o Projeto Viramundo nos dia 13 e 14 de Dezembro de 2014 no Jalam das Águas em Benevides/PA. Serão dois dias de imersão no belo sítio onde aconteceram oficinas de Teatro do Oprimido, Teatro de Rua, Palhaçaria, Educação Popular em Saúde além de rodas de conversa sobre temas envolvendo novas perspectivas nas práticas e estudos em saúde. Para partilhar dessa experiência convidaremos 20 cidadãos interessados nos diálogos de arte e saúde dentre profissionais e estudantes da área da saúde, artistas, terapeutas holísticos ou qualquer um disposto trocar afetos e saberes. As inscrições serão feitas via internet no blog do coletivo e a seleção será feita a partir do formulário de inscrição.

Quem anda inventando essa arte?

O Fas-ce Paiaço é uma realização da Trupe da Procura e do Projeto Viramundo, iniciativas vinculadas ao Núcleo de Artes e Imanências em Saúde – NARIS que há cinco anos vem trabalhando a interseção entre arte e saúde na Faculdade de Medicina da UFPA. A Trupe é composta de médicos, advogados, jornalistas, e até mesmo um físico, além de estudantes da área da saúde. Dentre as práticas do grupo estão a Palhaçaria de Hospital, Ações Públicas de Promoção da Saúde e a pesquisa acadêmica. O Viramundo é um projeto de extensão que visa a Atenção e Promoção à Saúde das populações em situação de Rua, que congrega estudantes de diversas graduações da saúde e atualmente participa da implementação do primeiro Consultório na Rua na cidade de Belém. Nesta quinta edição O Ciclo de Oficinas fará mais uma vez a função de agregar mais gente à nossa ciranda do cuidado.

A água das águas

O Jalam das Águas é um sitio na região metropolitana de Belém onde reina a gestão colaborativa e são praticadas terapias holísticas, Medicina Ayurveda, Massoterapia, além vivências em Permacultura e oficinas de circo, bioconstrução, palhaçaria e bioarte. Os oito olhos d’água do lugar recebem artistas, andarilhos, demais espíritos criativos para rever nossas práticas de desenvolvimento e e relação com a natureza. Uma dos debates será a proposta de construção de abrigos para população em situação de rua a partir das técnicas que circulam no Jalam.

O que Saúde ter a ver com Arte e Cultura?

Os processos de produção de saúde são essencialmente simbólicos e acontecem mesmo distantes da teorização e objetividades extremas da medicina moderna, que aprendeu a curar a qualquer custo e esqueceu de cuidar. As relações sociais são definidas mais pelos sentidos que criamos a partir da vivência do que da realidade vivida em si, a saúde, por sofrer determinação social, também está sujeita a essas criações que fazemos. E que maneira de dialogar com símbolos senão através da arte? E que melhor arte para isso senão a que trata do corpo enquanto meio de comunicação e diálogo? Escolhemos o Teatro.

Arteciência Cirandeira

Podemos fazer saúde sem metal ou teslas? Nós, e muitas outras pessoas, dizem que sim, então resolvemos experimentar. – Educação Popular para a saúde: Conjunto de técnicas pedagógicas e libertadora que buscam promover a saúde através do Diálogo, valorizando o saber dos povos e as realidades culturais. Construir saúde com povo e não para o povo. http://i.imgur.com/yO6DWCo.jpg – Redução de danos: Sem desintoxicações irresponsáveis, sem mais internações compulsórios. Acreditamos na saúde pela saúde. A nossa querida RD reflete estratégias de proteção, cuidado e auto-cuidado buscando mudanças pequenas e progressivas de atitudes frente às drogas. – Ação Estética em Saúde: As ações estéticas buscam criar, recriar e manipular símbolos através de teatro de livre expressão e do teatro de rua popular, estabelecendo vínculos aproximando na mesma ciranda o cuidador e o cuidado, ocupando com relações de afeto o espaço público. http://i.imgur.com/hrfEFn0.jpg

Paitrocínio

A Trupe ficou lisa e precisou recorrer ao crowndfunding para financiar um ciclo aberto a todos e totalmente gratuito. Para isso nos cadastramos na Plataforma Catarse,  Os fundos arrecadados através do site serão direcionados para o financiamento de todo o evento de forma que qualquer um possa participar, mesmo sem ter grana. Os gastos incluem o transporte até o local do evento, três refeições diárias para todos os participantes (20 selecionados mais 10 integrantes da organização), aquisição de equipamentos de audio e vídeo, custeio de pequenas adaptações no espaço e impressão de material de divulgação, além claro da taxa do catarse e custeio e envio dos brindes. Acesse a página do nosso projeto em http://catarse.me/pt/fascepaiaco. Por enquanto o projeto ainda não está recebendo doações, mais informações me breve.

As inscrições continuaram abertas até dia 05/12, aqueles que já fizeram a sua já a tem garantida. Após o fechamento das novas inscrições divulgaremos os 20 selecionados para criar conosco mais um ciclo de oficinas. Desde já agradecemos o apoio e o interesse em participar da nossa ciranda e pedimos que todos compartilhem o projeto para concretizarmos mais essa sonhação.

Evoé!


ADIAMENTO DO FAS-CE PAIAÇO 2015

ADIADO PARA 13 E 14 DE DEZEMBRO

ADIAMENTO DA DATA DE REALIZAÇÃO DO FAS-CE PAIAÇO

Informamos que devido a problemas no financiamento previsto para o Fas-ce Paiaço 2014, fomos obrigados a adiar a realização de nosso ciclo de oficinas e vivências, realizando-o nos dias 13 e 14 de dezembro.

Sempre prezamos pela acessibilidade de nossas ações, realizando-as gratuitamente ou a preços mínimos, visando oportunizar a participação de qualquer pessoa em nossas atividades. Esta é sexta edição de nosso ciclo de oficinas e vivências, com público total de mais de 400 pessoas. Infelizmente ocorreram problemas inesperados no financiamento desta edição, que nos obrigaram a adiar sua realização.

Entretanto, palhaço é bicho teimoso e resolvemos lançar o crowdfunding (ou quem sabe clownfunding) desse Fas-ce Paiaço. Em alguns dias a página estará no ar e cada um poderá contribuir com o quanto quiser e puder para que nosso caldeirão de arteciência possa borbulhar!

Clique aqui para acessar o vídeo de lançamento do clownfunding do FAS-CE PAIAÇO 2015: Na Natureza do Cuidado.

Em breve, mais informações serão enviadas para o seu email! Pedimos desculpas por quaisquer transtornos, e reiteramos que fizemos de tudo para evitar esse adiamento… Tá vendo? Isso que dá se meter com paiaço! =O)


INSCRIÇÕES ABERTAS!

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ESTÃO ABERTAS AS INSCRIÇÕES PARA AS OFICINAS E VIVÊNCIAS DA TRUPE!

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Saiba como foram as oficinas do ano passado no Jalam das Águas!

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Odacir Preto Velho

Por Bruno Passos

Rio de Janeiro/RJ

Odacir é o cantor. Com sua postura grande e serena ele respira sempre profunda e lentamente, de onde ganha ar pra cantar durante horas. Está sempre disposto a sentar numa roda (que não deixa de ser uma ciranda mais calma) e papear, ouvir e contar histórias numa espécie de cenopoesia brincada ali, onde os corpos são pequenos em aparência, mas não em sensação. Cantando, Odacir engendra mandalas de som e corpos humanos em sua legítima “manifestação do inconsciente e busca da reorganização da psique” como descreveu Nise. Mas será Poeise ou Poesia? Com certeza não é um anagrama. A psique se re-harmoniza através da representação da sua própria essência, na poiética eterna de nossas células destruindo-se e criando-se onde o mensageiro pode ser químico ou simbólico.

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As primeiras memórias que tenho do Ocupa Nise em 2012 me pintam imagens queridas, dentre elas a primeira vez que vi Odacir, estava sentado numa posição de cansaço, com a respiração pesada e parecia sonolento, abria os olhos devagar de quando em quando pra se manter na roda. Era um samba que os músicos tocavam e aquela cena que se construía era nossa primeira dentro do hotel da loucura, nossas mochilas ainda estavam no canto da sala.

Vi quando Odacir levantou a mão e pediu pra cantar, e quando começou a roda inteira ficou admirada e sorridente, tinha uma voz rouca dessas de cantar bonitos sambas, era feita pra ele.  E durante muito tempo víamos o cantor fazer seu show, nesses prazerosos momentos para ouvintes, dançantes e pra ele mesmo, Odacir trazia expressão no rosto, normalmente seu rosto era neutro como uma máscara. Um tempo depois descobri que ele era frequentemente impregnado com medicamentos.

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O cantor que encontrei no Ocupa Nise 2014 me fez reviver essas imagens. Ele estava com a s palavras soltas a sair da boca, e com os dentes brancos que os negros ganham quando nascem sempre à mostra. O tempo inteiro pessoas sozinhas ou em grupos chegavam na gira com Odacir Preto Velho, um ritual de cura manifestado pelo inconsciente daquele ser humano que era gente ainda. Naquela roda, o som que saia daquele peito preto era ritmado pelo som do tambor, o tambor de dentro que quando toca vibra vivo o corpo e entende calma a alma. E tudo é novamente criado, tudo mais uma vez creado. Manifesta-se a essência, transformando uma existência noutra existência.

Nesses dias de setembro Odacir vestiu seu corpo xamânico e curou, a si e muito de nós que ouvimos ele cantar, contar histórias, fazer brincadeiras. Fui escolhido pra mais uma breve manifestação desse curador. Estava prestes a voltar pra casa no meu último dia no Hotel da Loucura, vivia a verdadeira polifonia de sentimentos que Vera Dantas um dia me falou, no meio dessa experiência Dantesca cheguei perto de Odacir que estava deitado sozinho em uma esteira no chão e perguntei:

 – E ai meu querido, que achastes do Ocupa Nise esse ano? – no que ele me respondeu:

– Foi muito bom, conheci muita gente de muitos lugares, muita gente diferente – então eu disse:

– É, pena que acabou, agora vai começar a ir todo mundo embora.

– Mas é assim mesmo, agora é esperar o ano que vem quando vai vir mais gente, e outros tipos de gente, e assim vamos conhecendo todos os tipos de gente, essa é a vida

Nesse ponto me calei, abracei minhas malas voltei pra casa.

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O texto acima faz parte das experiências do NARIS durante o Ocupa Nise 2014, evento ocorrido de 1 a 7 de setembro no Instituto Municipal Nise da Silveira, Bairro do Engenho de Dentro, Rio de Janeiro. O terceiro e quarto andares do prédio principal do Instituto abrigam hoje o Hotel da Loucura, sede permanente da Universidade Popular de Arte e Ciência, em uma ocupação cultural onde atores, músicos, médicos, clientes ainda internados por lá trabalham diariamente a cura coletiva e individual através da arte e suas potencialidades  simbólicas de comunicação e de reorientação dos processos culturais da saúde. O evento desse ano também congregou o IV Congresso da UPAC e o XV Encontro da Rede Brasileira de Teatro de Rua, nesse burburinho, artistas e profissionais da saúde de quase todos os estados do Brasil e de alguns países (Colômbia, México, Inglaterra, França, Argentina) provaram mais uma vez que a Emoção do Lidar relatada por Nise é a saída para uma saúde que cure de verdade todos os dias.


O NARIS no Gaspar Vianna

O NARIS no Gaspar Viana

 

Com muita eloquência e revestrés convidamos todo mundo para a entrega da Comenda Municipal Gaspar Vianna de Contribuição à Ciência, que será oferecida em reconhecimento ao trabalho do NARIS/Trupe da Procura.

A entrega ocorrerá no dia 22 de maio de 2014, às 9h da manhã na Câmara dos Vereadores de Belém.

Este reconhecimento do município de Belém só reafirma que nossa construção coletiva tem os pés firmes em necessidades que nos irmanam a todos, pois urge uma reforma em nossas práticas de saúde, quer sejam individuais ou em coletividade: um inédito viável científico, estético, político.

A gente só fica meio preocupado com os nossos paiaços no meio de tanto terno e fala embolada- eles vão querer levar coxinha pra casa, sujar tudo falando bobagem de boca cheia… um nojo!

Um nojo desejado e construído arduamente por muitos, posto que nojo quer dizer revelar o oculto, a beleza do feio, o riso no leito gélido, a irmandade imanente das coletividades, a praça pública que se abre em práticas de cura coletiva na troca de afetos!

Por isso afirmamos a troca de saberes e afetos em oposição à esterilidade das relações estabelecidas pelo biopoder através do higienismo. Propõe uma ciência cirandeira, uma arteciência de cuidado e de cura, uma ação estética em saúde.

Afete-se! Afecções e afeições e infecções e feições: salve vidas, não lave as mãos! A poeira da História é meio de cultura concebendo células, poéticas, políticas! A invenção do futuro deve ser pueril! Pra ser gente, todo mundo um dia foi germe… Gentes são escambo de moléculas de afeto.

O Gaspar Viana já entrou ciranda… Vamo junto também? 

Evoé!

 


A primeira vez

Desde que comecei a participar das oficinas, tentava imaginar como seria a entrada no hospital. Depois de acompanhar uma entrada no Barros com a Bribela, Bichado e Ninho, passei a me perguntar se iria conseguir fazer aquilo, os três demonstravam uma facilidade tão grande em interagir e improvisar, me perguntava quando teria o jogo de cintura pra entrar no jogo.

Algumas vezes você entra no jogo porque quer, outras, ele te puxa e quando você percebe já ta dentro. Foi mais ou menos assim na noite de sábado, no meio do jogo, com toda aquela energia acumulada resolvi aceitar a proposta do Vitor e ir pela primeira vez no hospital como palhaço.

Depois de uma noite quase sem dormir, a ansiedade já tomava conta de mim. Será que iria conseguir? O que iria fazer? Como começar? Apesar das dúvidas, eu sabia que queria estar ali, era o que eu queria desde quando comecei as oficinas. Fiquei feliz por ser no Barros, é um ambiente familiar pra mim, me sentia um pouco mais segura, era como voltar pra casa. Mas que casa? Aquele não parecia o mesmo hospital que eu costumava encontrar, os corredores estavam mais calmos, a tensão no ar era tão grande que chegava a ser praticamente palpável, os funcionários, antes tão receptivos, amigáveis e animados daquela primeira vez que acompanhei uma entrada, agora estavam tão sérios e focados no trabalho, seria impressão minha devido a ansiedade, ou seria reflexo do novo modelo de gestão implantado recentemente no hospital?

Tirar a minha roupa “normal” e vestir a roupa de palhaço foi como um ritual de preparação, quanto mais me cobria com a máscara do palhaço, mais descoberta eu me sentia, quando finalmente terminei, me sentia completamente nua, acho que poucas vezes me senti tão descoberta. Botar o nariz vermelho foi ponto final, como pode um objeto ter um poder tão grande? É o tipo de coisa que por mais que eu me esforce, nunca conseguiria descrever, existem coisas que não podem ser contadas, apenas vividas, essa é uma delas.

Finalmente deixei der ser Pâmela e me tornei Panelinha, a animação tomava conta de mim, já estava quase me acostumando com aquele frio na barriga que sentia desde a hora que acordei, mas agora ele estava muito maior, porém nada se comparava com a sensação de liberdade, eu estava livre de todas as amarras que nos são impostas durante a vida, ninguém esperaria um “comportamento ideal”, eu não precisava “me comportar como se espera de uma moça”, não precisava “me portar com seriedade”, não precisava saber sempre a “resposta certa”, eu era uma palhaça e ninguém nunca espera que um palhaço esteja “alinhado com a sociedade”.

É incrível como a figura do palhaço tem o poder de modificar o ambiente, toda aquela tensão do ambiente se dissipou, e aqueles profissionais se permitiram um sorriso e algumas brincadeiras mesmo que por um curto período.

Depois de tomar os corredores era a hora da primeira enfermaria. Éramos três, Panelinha, Ninho e Bixana, não tínhamos roteiro nem nada combinado, com duas palhaças de primeira viajem, Ninho tomou a frente. Descrever tudo o que aconteceu seria impossível, cada enfermaria era um público novo, um mundo novo, os primeiros olhares que nos recebiam eram um misto de animação e curiosidade, talvez um reflexo dos nossos próprios olhares.

O que poderiam fazer três criaturas desengonçadas em um hospital? Provavelmente alguém se fez essa pergunta, nesse caso, eu me perguntava, mas como se soubesse o que se passava na minha cabeça, Ninho deu a ideia “Vamos fazer um desfile!”. Claro! Para se iniciar alguma coisa devemos nos apresentar, aprendemos isso desde criança, e existe forma melhor de apresentar alguém do que em um desfile? Com toda a classe e (falta de) destreza que um palhaço tem, a manhã se transformou em um pequeno grande desfile.

Para alguns bastava a presença do palhaço para se conseguir um riso, outros eram mais difíceis, principalmente as crianças menores, um pouco mais desconfiadas daquelas três criaturas que não pareciam estar de acordo com a realidade, como a pequena Layane, no auge da sabedoria dos seus menos de dois anos estava decidida que não iria dar o braço a torcer, mas ninguém resiste a um carinho nos dedinhos do pé, aos poucos aquela barreira foi se quebrando e um riso discreto lutava para sair pelo canto da boca, aos poucos ela foi se entregando e se deixou dominar por aquele sorriso, e tem coisa melhor do que isso? Acho que não.

Por incrível que pareça (pra quem nunca viu uma entrada de palhaços no hospital), os adultos participam muito mais que as crianças, alguns são mais receptivos, outros são como a pequena Layane, você tem que trabalhar pra encontrar o ponto fraco daquela parede nos separa. Alguns querem registrar, outros tentam se esconder, uns se limitam apenas a rir e ficam envergonhados em um primeiro momento, outros entram no jogo de cabeça, dançam, cantam e levam os mais tímidos junto. Quando os adultos entram na brincadeira tudo flui com mais facilidade, a impressão que tive foi que no meio daquela realidade tão estressante, o palhaço vem como um bote salva-vidas, onde eles se agarram e por algum momento podem brincar e esquecer os problemas.

As duas ultimas enfermarias foram dois desafios, não só pela fome que começava a bater, afinal, já era hora do almoço, mas porque nas duas encontramos crianças que estavam bastante assustadas, uma barreira que não conseguimos quebrar, no corredor Ninho ainda conseguiu uma aproximação rápida, mas não teve acordo com rapazinho, com isso a mãe preferiu leva-lo para outra enfermaria enquanto estávamos lá. Na penúltima enfermaria as outras crianças estavam alvoroçadas, foi onde as crianças mais participaram. A mocinha de 6 anos e nome difícil, tinha uns olhos tão brilhantes que pareciam que a qualquer momento iriam saltar de tanta felicidade, parecia querer dividir tudo com a gente, a cada brinquedo que nos mostrava seus olhos brilhavam a espera de qualquer reação nossa, sempre pulando de animação e alegria. Não posso deixar de falar do pequeno Cauê, de inicio se mostrou curioso e um pouco tímido, mas com um pouco de conversa mostrou que tinha o coração mais galanteador que uma criança de 3 anos pode ter, e todo aquele amor nos seguiu com beijos no corredor.

Na última enfermaria chegamos em clima de almoço, mais conversa e menos trabalho com o corpo, o ambiente estava mais calmo e pedia isso da gente, mas mesmo assim as mães/avós estavam bastante participativas e a conversa rolou solta, assim como o riso da pequena Letícia, que pouco falou, mas que bastava um olhar para ela se desfazer em risadas.Com esse clima bom nos despedíamos, a manhã já tinha acabado e era hora de desmontar Panelinha, Ninho e Bixana.

Existem cinco coisas desse dia que nunca vou esquecer, o riso difícil da Layane, o riso fácil da Letícia, o olhar da mocinha de 6 anos, os beijos do Cauê e os agradecimentos dos pais, pouco falei desse último, mas quando estávamos indo embora alguns pais/avós nos agradeceram por estar lá, e todo aquele sentimento transbordava pelos seus olhos, apertava minha garganta, aquecia e disparava meu coração. Se alguém me perguntar novamente por que continuar na trupe, já sei a resposta.

Por Pâmela Thais

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PamPâmela é a palhaça Panelinha, ela também é Graduanda do Curso de Medicina da Universidade Federal do Pará e membro do NARIS- Núcleo de Artes Como Instrumento de Saúde. Esta iniciativa faz parte do projeto de estímulo à produção literária, onde buscamos uma outra forma de registro e transmissão de nossas lutas pela saúde através da arte. Por uma nova medicina, alegre, poderosa, transformadora, ciente da riqueza cultural do homem e das potencialidades que o domínio da expressividade encerra. Essa é nossa provável cura, nossa eterna procura.


Rosa Vermelha

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Tudo foi como o brotar de uma pequenina, vermelha e tímida rosa que surge do concreto em meio ao caos e a bagunça que aquele tempo e espaço possibilitavam a ela. Deixei de lado Belém, a faculdade, os cérebros, cerebelos e as neuradas, tentei afastar tudo que estava impossibilitando a minha rosa de respirar, mesmo que para isso tivesse que esquecer, nem que só por um momento, as provas, relatórios e casos clínicos que me aguardavam. A primeira impressão foi medo, surgiu uma vontade enorme de correr pro percurso natural de um final de semana cheio de estudos e horas marcadas, porém a minha ainda pequena rosa me pedia pra ficar e aguardar ansiosamente pela chegada do amanhecer.

Quando um sol lindo apareceu sorrindo pra mim no segundo dia meu coração decidiu “se permitir” tentar, lutar pelo que realmente tinha me levado até ali. O sol, a ponte, as folhas, o ar diziam-me: coragem! Relembrar minha infância quebrou minhas barreiras, as minhas limitações e o resto de algum preconceito. Lembrei-me de quando criança chegava em casa e encontrava meus pais ainda casados, que eu escrevia na parede com o batom da minha mãe, lembrei dos meus cachinhos enormes que iam até a cintura (quanta saudade desses cachos), os quais ainda não tinham sido destruídos pela chapinha, químicas e uma sociedade que dizia que eles eram cabelo ruim. Essa foi a memória mais antiga que consegui encontrar, até pensei num futuro colocar o nome da minha palhaça de cachinhos, mas isso será para um futuro. Lembrei do meu pai cantando a música que marca o nosso relacionamento “sou eu que vou seguir você do primeiro rabisco ate o be-a-bá, em todos os desenhos coloridos vou estar… (Toquinho)”, cheguei a pensar em cantar essa música antes da travessia da ponte, porém ainda sou tímida ao extremo, algumas bobas palavras substituíram a música. O engraçado foi lembrar muito mais do meu pai do que da minha mãe, apesar da minha ligação com ela ser muito mais forte, acho que isso ocorreu porque enquanto ela me trata como a adulta futura Doutora Luísa ele me trata como o seu Megabebê. O que eu acumulei de energia nesse dia foi muito precioso, me fez ter vontade de voltar a ser criança, a bebêzinha de cachinhos enormes que chupou pipo até os 5 anos, que brincou de boneca até os 12 e que sonhou aos 7 que seria médica. Nesse dia até descobri que tem uma música do Tom Jobim com meu nome! Senti tanta vontade de saber cantar todas as músicas que a trupe cantava, saber declamar tão perfeitamente poemas como eles faziam, saber cuidar do próximo como cuidar de mim! Em meio aos novos sentimentos que se apoderavam do meu coração nascia a minha rosa vermelha, que não significa somente o nascimento do meu palhaço, mas também o nascimento de um novo olhar para tudo que estava a minha volta, quando isso aconteceu não tive dúvidas que estava no lugar certo.

Ao nascer do lindo sol de sábado meu coração já estava em paz, se sentia em casa. Correr, pular, ou fingir ser a cor azul era agora algo que me dava alegria, era tentar ser o impossível sem medo, pois no mundo mágico de uma criança nada é impossível, não existem regras ou mandamentos lá. Foi voltar a ser a doce menininha de cabelos cacheados, foi me sentir leve e doce como ela se sentia, sem estresses cotidianos, sem neurar o irmão. As brincadeiras acumularam em mim essa vontade de tentar ser no meu palhaço essa criança que eu fui, ela era doce, meiga, amável e as vezes um pouco mimada, mas feliz. Vestir o nariz e soltar tudo que tinha sido guardado foi mágico, era ficar sem preocupações, sem restrições e poder sorrir do vento ou da palhaçada de um palhaço. Cada nova sensação, poesia, riso e brincadeira despertaram uma vontade de nunca mais ir embora do Jalam das Águas, ter visto o céu estrelado e limpo na beira de uma fogueira ouvindo Gilberto Gil foi inexplicável.

Aprendi a olhar nos olhos e transmitir com o olhar paixão, ternura, carinho e cuidado. O cortejo dos palhaços bonitos me permitiu tentar usar o meu novo olhar, o qual recebe de recompensa olhares belos e simples. Poder ser olhada por uma criança que sorri é mágico, ela te dá aquele brilho nos olhos de quem descobre o mundo e um sorriso sincero que acalma a alma. Desde que quis ser medica tive vontade de poder trazer felicidade a alguém, mesmo quando estava no cursinho lutando para passar no vestibular já pensava que a primeira vez que salvasse uma vida, nem que fosse aquela única vida, já valeria tudo o que tinha “sofrido”. Nunca salvei uma vida, entretanto, nesse fim de semana todo esse “sofrer” já começou a fazer cada vez mais sentido, pois salvar uma vida não se resume em receitar a cura com o fármaco mais avançado do mercado, resgatar alguém da tristeza, do choro e da indiferença é uma forma de salvar alguém da morte emocional e psicológica, que as vezes dói até mais se comparada a uma dor de barriga. Olhar nos olhos de uma mulher, a qual nos deu da sua água, e dizer obrigada representou o quanto devemos ser gratos nos mínimos detalhes a todas as pessoas que nos fazem o bem. Um olhar faz toda a diferença, porque cada olhar é único, assim como cada pessoa é única e deve ser tratada como tal.

A minha rosa vermelha de palhaço e esperança apenas brotou, sou consciente que preciso regá-la com muito amor para realmente ser a diferença por onde for, principalmente, ser diferente no egoísta mundo dos “deuses” de jaleco branco. Depois da volta do Jalam das águas olhei imediatamente pro céu e senti saudades da luz brilhante da lua e das dezenas de estrelas que avistava em Benevides, foi triste apenas ver fumaça e nuvens de chuva, entretanto, fico feliz em saber essa experiência trouxe a luz de um novo amor, o amor pelo “cuidar do outro é cuidar de mim”.

Por Luísa Taynah Paixão

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Mãe-898523Luísa  é egressa do Fas-ce Paiaço 2013 e está com sua palhaça em formação, ela também é Graduanda do Curso de Medicina da Universidade Federal do Pará e membro do NARIS- Núcleo de Artes Como Instrumento de Saúde. Esta iniciativa faz parte do projeto de estímulo à produção literária, onde buscamos uma outra forma de registro e transmissão de nossas lutas pela saúde através da arte. Por uma nova medicina, alegre, poderosa, transformadora, ciente da riqueza cultural do homem e das potencialidades que o domínio da expressividade encerra. Essa é nossa provável cura, nossa eterna procura.


O diário de bordo de Bichado

Às 10 horas da manhã de sexta-feira, dia 27 de dezembro, eu acordei. Usava um suspensório azul e uma grava borboleta vermelha. Abaixo da minha boca havia um semicírculo e outra forma branca; minhas bochechas estavam ruborizadas. Meu nariz era vermelho e meus olhos gigantes. Estava acompanhado pela Dra. Bribela Passarinho e pelo Besteirologista Ninho no Hospital Universitário Barros Barreto. Como não era médico nem nada, apenas os segui.

Andamos pelo corredor. Lá eu via alguns cômodos, enfermeiras, pacientes, funcionários. Algumas pessoas estavam indiferentes, muito sérias ou tristes; outras também poderiam estar tristes, mas eram curiosas, conversavam e nos perguntavam coisas. Íamos brincando com a balança antiga, com as janelas, com tudo que aparecia. O clima era ameno e pela janela entrava um vento suave. Víamos as enfermeiras contando o seu Natal, a reação de quem passava e então seguimos à primeira sala na ala pediátrica.

As crianças estavam deitadas em seus leitos, sentadas no colo das mães, algumas dormindo. Sequer se via presentes de Natal. Mas no olhar delas havia algo de especial, de natalino que costuma estar em falta nos hospitais. Cada uma sai do seu leito, do seu mundo de doente entregue aos cuidados médicos e juntam-se a nós. Não é para ver uma apresentação, para que contemos piadas, mas para brincar, conversar, habitar um mundo menos adulto. Não riem por verem palhaços engraçados, mas riem porque brincam – porque agora as moléstias eram outras, era outro hospital. Riem de si, do que acontece, dos outros, da doença. Doente é o hospital aos olhos da criança.

E assim seguimos por várias salas, com muita gente, crescida ou não, e houve gritos, confusões, histórias e risos. As crianças se juntavam, mesmo quem estava em outro quarto queria fazer parte. Algumas choram, outras estão com fome, outras estampam a doença – a maior enfermidadede um hospital não seria transformar as crianças em doentes?

Quando tirei a maquiagem, as roupas, o nariz, fechei os olhos e saído hospital, parecia que eu fui visitado, eu era o doente. Aquelas crianças que brincavam, sorriam, pulavam que estavam fazendo algo para mim. Então voltei pra casa alegre, sabendo que há quem compartilhe algo de sua preciosa infância a quem no fundo também vive em um leito – que invisível, o acompanha a toda parte.

Por Gilberto Guimarães 

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1240477_558615307544856_1954097275_nGilberto Guimarães Também é o palhaço Bichado, além de Bacharel em Direito pela Centro Universitário do Pará e membro do NARIS- Núcleo de Artes Como Instrumento de Saúde. Esta iniciativa faz parte do projeto de estímulo à produção literária, onde buscamos uma outra forma de registro e transmissão de nossas lutas pela saúde através da arte. Por uma nova medicina, alegre, poderosa, transformadora, ciente da riqueza cultural do homem e das potencialidades que o domínio da expressividade encerra. Essa é nossa provável cura, nossa eterna procura.


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Pro-cura-me

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Por Juliana Martins

Das poucas habilidades que tenho na vida, posso dizer que fuçar o facebook desesperadamente o dia inteiro é uma delas. A história que vou contar hoje, inicia-se quando eu estava em são Luís do Maranhão, minha cidade natal, e era uma recém-caloura de medicina que tinha passado pro referido curso em outra cidade. Uau. Eu ia morar sozinha. Uau. Eu ia pra uma cidade nova. Uau. Eu não conheço ninguém.

E, estando lá, encontrei a página da Trupe. Fiquei imediatamente encantada. Assisti “ao vídeo institucional”, se é que posso assim chamar, e decidi que eu iria fazer. Não era só colocar um nariz e ir animar as criancinhas? Eu posso fazer isso. Ir lá, conversar com elas né? Dá pra mim. Já fui duende em um shopping Center. Já lidei com crianças. Eu vou.

E esperei tanto que abrissem as inscrições que fui quase perdendo a vontade. E enfim, abriram. Logo no módulo de neuro. Tenho duas provas de neuroanatomia, dois casos clínicos de endócrino, um relatório de neurofisiologia e um de farmacologia de endócrino, tudo pra essa semana. Eu deveria passar o feriado todo fazendo. Eu já tinha me inscrito, mas tenho um senso de responsabilidade tão grande que por pouco eu não fico por aqui mesmo fazendo esse monte de doidice. Contudo, depois de ter me lascado lindamente na prova de neurofarmacologia, eu decidi ir. Minha mente não aguentava estudar mais nada. Eu já tava desesperada porque via meus “excelentes” indo por água abaixo e eu teria que me contentar com meros “bons” no meu boletim. Se eu vou ficar com bom mesmo, então eu vou passar o final de semana com eles. E lá fui eu.

A primeira vontade que eu tive quando cheguei no lugar foi a de ir embora. Não conhecer ninguém e estar em um lugar onde meu celular não pegava simplesmente me desesperou. Meu Deus do céu, é uma cilada, Bino. Meu Deus, eles vão me sequestrar. Meu Deus, que cidade é essa? Como farei pra ir embora? Se eu for, será que eles vão notar? E eu deixei que o desespero me consumisse.
E aí eu fui tomada pelo cuidado. Todo mundo preocupado. Tá tudo bem? Se instalaram? Quer repelente? Vamos assistir filme? E o desespero foi dando lugar a calma. Ok, posso ficar aqui até amanha de manhã. Ai depois eu vou embora. É só eu não falar com ninguém que eles não vão perceber se eu fugir.

E chegou o amanhã. Fui inundada por uma nova forma de pronunciar as vogais. Adorei esse negoço. E passei, não sem certa relutância, pelo corredor do cuidado. Pra variar, foi uma experiência totalmente desafiadora para mim. A ideia de deixar vinte estranhos me conduzirem e passarem as mãos em mim é inimaginável. “Feche os olhos e deixa eles te conduzirem. Sinta cada toque.”logo eu? Logo eu que tenho mania de microgerenciar tudo? Como posso deixar eles me conduzirem? Como assim, pegar pela minha mão? E eu deixei que me conduzissem.

E foram tantas atividades que eu não consigo lembrar com tanta clareza a ordem cronológica ou alfabética delas. Lembro de uma, depois da ponte, na qual eu desconstrui as minhas passadas. Meu pescoço doeu muito depois, esse negoço de virar a cabeça e o corpo depois é mais difícil do que se pensa quando simplesmente se observa. E teve a atividade que eu apelidei, carinhosamente, de “mi-careta”: todo mundo fazendo careta um pro outro trabalhando todos os músculos da face. E foi fazendo careta que eu me “desencaretei”.

A parte de me soltar foi e continuará sendo muito difícil. Geralmente, não sou introvertida. Falo muito, pertubo outro tanto. Mas, a ideia do desconhecido é algo que meu sistema límbico não leva como algo natural. Minha palhaça ficou trancada dentro de mim, querendo aflorar de todas as formas, mas o medo do ridículo me perseguiu. Tranquei-me. Ela tava toda arquitetada, infraestruturada e organizada na minha cabeça. Só na minha cabeça. A única coisa que me confortou em relação a isso foram as palavras do Vitor: “Não excedam os limites do corpo”. Eu não excedi o limite da minha mente. Maldito limite. E eu deixei que meus limites me trancassem.

Sobre todos os desafios que enfrentei nessa jornada de três ou quatro dias que eternizaram na minha mente ( dessa vez, a jornada excedeu o limite da tal mente), posso dizer que o maior deles foi justamente o toque. Tenho mania, desesperada ( como tudo em mim), de limpeza. Detesto suor. Detesto fedor. Nunca ponho os pés descalços no chão nem abraço gente pingando depois de um gol, por mais que ele seja dedicado a mim. E eu tive que me deixar fazer isso. Sinto que voltei menos fresca desse Jalam. No começo a resistência foi quase que total. E no final, já pouco me importava. E eu deixei que me abraçassem.

E já no meio do sábado eu tava dançando a música da Xana e deitada, sem medo de más interpretações, com todo mundo no colchão inflável. Já tinha ouvido toda sorte de músicas bonitas, muito bem tocadas, é válido ressaltar. Já tinha comido toda sorte de saladas feitas com todo o amor do mundo. Já tinha descoberto que eu ainda conseguia correr e brincar de pega-pega quase que lindamente. Já tinha banhado no olho d’agua, já tinha acostumado com o cheiro do tabaco, já tinha jogado pra cima minhas provas de neuroanatomia. Pouco me importava a quantas andava meu celular. Só me importava o céu, o luar e o lar que era o Jalam. E a fogueira, e as canções e os filmes bonitos, e as pessoas novas, e os colchões infláveis, e mata, e o igarapé, e as pessoas suadas. E eu deixei que tudo me importasse.

E no domingo, pela manhã, lá fomos nós levar o circo pra cidade. Era dia de palhaçada. Todo mundo se maquiou como pôde, uns foram tímidos em suas pinturas, eu me extravazei. Ganhei dois coquinhos que fui batendo por quase todo o caminho por mais que tivesse fora do ritmo. Ninguém se importava. Ia todo mundo cantando e brincando, como uma cambada de palhaços. Bonitos. Todo mundo com sede, todo mundo cansado, todo mundo suado, todo mundo feliz.

E quando eu voltei pra casa, pegando todo o engarrafamento da BR , eu fui na maior tranquilidade do mundo. As meninas iam falando das quinhentas coisas malignas que me esperavam na faculdade essa semana. Eu era a pessoa que fazia isso. Que lembrava todo o tempo, que se preocupava todo tempo com o fantasma da reprovação em neuro. Lembrando dos ensinamentos tatuados nas paredes do Jalam, não me deixei neurar. Cheguei em casa, dormi perfeitamente, não virei a noite desesperada. Em mim reinava a calma, a paz fez revolução em mim. O amor daquelas pessoas me fez tranquila e agora eu podia entender o jeito certo de cuidar das pessoas.

A trupe não é só colocar um nariz de palhaço. É aprender a ser palhaço. Não sei quão árdua vai ser essa tarefa, não sei se vou conseguir me soltar um dia. Não sei se vou ter a disponibilidade de tempo, não sei se vou ser boa o suficiente. Só sei que o que houve ali me transformou. A terapia do cuidado. Cuidar do outro é cuidar também de mim.

E eu permiti que me cuidassem.

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Juliana é egressa do Fas-ce Paiaço 2013, que ocorreu no Jalam das Águas. Esta iniciativa faz parte do projeto de estímulo à produção literária, onde buscamos uma outra forma de registro e transmissão de nossas lutas pela saúde através da arte. Por uma nova forma de praticar saúde, alegre, poderosa, transformadora, ciente da riqueza cultural do homem e das potencialidades que o domínio da expressividade encerra. Essa é nossa provável cura, nossa eterna procura.


Fas-ce Paiaço 2013: Inscrições abertas!

Procure seu motivo, encontre seu paiaço!
Senhoras e senhores! Com muita alegria anunciamos que estão abertas as inscrições para o Fas-ce Paiaço 2013.

Este ano faremos um experimento piloto no sítio Jalam das Águas, promovendo uma vivência de três dias (15, 16 e 17 de novembro de 2013), onde serão realizadas atividades nas seguintes frentes:

Teatro do Oprimido;

Palhaçaria & palhaçaria de hospital;

Música, circo, poesia, cinema;

Práticas integrativas em saúde;

Cirandas;

Terapia comunitária;

Rodas de conversa e círculos de cultura discutindo saúde, arte, democracia e suas intersecções.

Uma garrafada de arte e ciência: Augusto Boal e Michael Marmot, Darcy Ribeiro e Giulietta Masina, Nise da Silveira e Charles Chaplin, Banksy e Maturana, Drummond e Galileu, Brecht e pajé Guaracy-katu: procure seu motivo, encontre seu paiaço!
Inscrições disponíveis aqui:
https://blogdatrupe.wordpress.com/inscricao-para-ciclo-de-oficinas/

 


Fas-ce Paiaço: Jalam das Águas

Vis Medicatrix Naturae

Cidadão, cidadã, se aprocheguem!  Anunciamos mais uma descoberta  artecientífica de nossos bulcéfalos palhaços: o homem vitruviano só estava de braços abertos porque queria cirandar!

O Fas-ce Paiaço- Ciclo de Oficinas e Vivências em Palhaçaria de Hospital e Brincação de Rua chega em sua quinta edição em novo formato! Em parceria com o sítio Jalam das Águas, faremos três dias de experimentações nas fronteiras da arte, da ciência e da saúde, com cirandas, práticas tradicionais e populares de saúde, oficinas de palhaçaria, de circo, de teatro do oprimido, num verdadeiro caldeirão de arte e ciência a fervilhar entre os diversos olhos d’água espalhados pelo sítio.

Abaixo, a mandala do Fas-ce Paiaço:

Mandala de temas

VIS MEDICATRIX NATURAE: o impulso de vida imanente à natureza, que cura e faz circular as energias e os afetos. Anterior à higienização das relações entre organismo e ambiente e ao desmandos biopoder, este é um poder ancestral, místico e mítico. Através da expressão, do afeto e do exercício da autonomia e da alteridade, a gente vê saúde brotar do corpo e a vida até parece ter olhos d’água, criando e recriando o mundo, seus significados e seus significantes. Este é um poder público e democrático, pertence a todos, portanto todos estão convidados, todos são bem vindos!

Evoé!

As inscrições serão abertas em breve! Fique atento!


Os Jalecos Coloridos

Convergence, Jackson Pollock, 1952

Texto de Vitor Nina, sob mote de Junio Santos

Para Letícia Nunes

Fui internado naquela hora em que a escuridão é tão escura que até o chão adormece e a gente tropeça na gente. Por isso falo com propriedade, porque vi de perto quando eles surgiram, e todo dia desde então, foi assim: antes mesmo do primeiro fio de luz de sol ensolarar o hospital, lá estão eles, os jalecos brancos, brancos, da cor alva e celeste dos lírios, das claras de ovo. Os jalecos brancos, de tão brancos, estão sempre despertos e em prontidão; o olho eternamente aberto, tal qual folha de papel, de tão lúcido, mal permite entrever a cor da íris. Os jalecos brancos não desconfiam, sabem. Não há dúvidas, está tudo claro, forte, limpo, como o leite desnatado, pasteurizado; não há dúvidas sobre o leite e sua coalha, as vacas todas foram plenamente estudadas em estudos multicêntricos randomizados, e hoje são brancas, branquinhas, tal qual são as vacas e galinhas dos comerciais de TV. Ou os jalecos brancos. É um alvejante poderoso, a razão, puro cloro e protocolo, água sanitária tão pura que é quase benta, trazida pela mão zelosa dos jalecos brancos, branquinha feito hóstia, feito pipoca de cinema. A cabeça do jaleco branco é reta até onde a vista alcança, está saneada, branca do branco mais puro, e até quando chora, são olhos d’água sanitária. Os jalecos brancos trazem o dia, vinte e quatro horas por dia, sem descanso, sem curvas, sem noites e sem dias.

O que os jalecos brancos não desconfiam é que, mal terminam seu breve protocolo interminável, logo a boca da noite abre o seu sorriso de estrelas, e dá uma gargalhada imensa, e do som que cai delas vêm me visitar os jalecos coloridos, coloridos, coloridos por artes noturnas e ciências de sol, os jalecos coloridos brincam comigo de braços abertos, giram no ar anunciando suas equações… Daqui de onde vejo, parecem um arco-íris cirandando, e anunciam, “toda sombra engendra uma comédia, eis o tombo do mundo!”. Daí fazem cara de bobo e tropeçam na minha cama, derramando luz por toda enfermaria, fazendo cosquinha com a pontinha das estrelas e quando alguém ameaça morrer de rir, eles anunciam, “de cada broto de riso brota uma flor!”, e ouvindo isso eu já nem penso em velório, penso é em casamento, olho a vida vestida de noiva e, no fim da cauda de seu véu…

Os jalecos coloridos sabem ficar daquela cor que têm as mãos depois de bater palmas, dos olhos quando avermelham, uns têm cor de pulo de menino, outros cor de lembrança de velhinho… Um dia, ao ver os olhos de água e sal da senhora do leito 54, gritaram como quem grita eureca: “a memória é uma lama de oceanos!”. Os jalecos coloridos têm cor de tudo, até de burro quando foge, e mesmo cor de jaleco branco. Mas tropeçam em tudo e sua ciência sai toda aquarelada, e eles ainda justificam com a cara mais limpa e colorida do mundo: “A humanidade é prosa, mas o homem é de versos!”. E o hospital de enfermos estremece com tanta gente dando riso solto e riso frouxo, e os jalecos se empolgam e até se fingem de poetas, “ouvir-se para não olvir-se” eles recitam, com um olhar apaixonado para a lua e algumas lágrimas de crocodilo, “o abismo só está com sono, as estrelas são o habitat da noite!”, vão repetindo com voz de locutor de rádio enquanto atravessam a madrugada até trombarem na alvorada.

Os jalecos coloridos estão todos sujos de gente, em sua higiene de caleidoscópios. E sua cor permanece conosco, nos olhos da boca e nos ouvidos da língua. Em pleno meio dia na enfermaria de enfermos, ainda ecoa sua voz a raciocinar alucinada que “a pipoca é a pérola do milho!”, que “a borboleta é uma folha rebelde!” e que “toda janela é um poço de visões!”. Ainda por cima são metidos a esfinge, “devora-me pra que me decifres”, e pouco a pouco a gente começa a descobrir… Um dia o leito 47 gritou de súbito: “as nuvens são as copas, e os raios são seus galhos”, ao que outro número respondeu, “Então os ventos são raízes!”, “o canto do passarinho é o seu fruto!”, diz um algarismo e outro responde, “cantar junto é um suco de sons!”, quase num algoritmo.

O que ninguém ainda percebeu, tampouco podem os jalecos brancos inferir, é que os jalecos coloridos não surgiram de estrelas espatifadas, como ainda é o boato que corre entre os enfermos mais imaginativos, mas já estavam aqui e, de fato, já estávamos vestidos com eles antes mesmo da internação. Talvez tenham nos internado justamente por vesti-los. Talvez as estrelas tenham surgido na gente, do atrito entre o ferro e o oxigênio, que faiscavam ao atravessar a gordura das células, o que explicaria o vermelho, o azul, o sangue, a íris, o intestino e o sonhar, e o porquê deles possuírem a mesma natureza e brotarem como crescem os cabelos, as unhas e os sorrisos.

De fato, se a gente reparar bem, nota-se que em cada leito de enfermo há uma pessoa e que dela emana algo dessa cor sem nome, deste traje sem panos, desta respiração profunda de cura. É notável, ancestral e belo e, portanto, em nome da ciência, anuncio aos jalecos brancos: Vossas senhorias estão em delírio febril, pois seus corpos e vestes convulsionam sem dançar. O pano caiu, patognomônico de que não há pano nem parede. Vossas senhorias, aí, de pé, estão deitadas no leito de enfermos, e em seus jalecos brancos só há luz exangue. Ouçam a voz daquelas cores, “o abraço é uma camisa que dá força!”. Nós, os internados, flutuamos com  o hospital, fizemos do hospital um balão de hélio, nós espocamos o hospital. Nós, os enfermos, flutuamos sobre vocês, vestidos das cores de nós mesmos, porque tudo é onde tudo é são.


Contra a Criminalização do Pôr do Sol

Sunrise by the ocean de Wladmir Kush

Por Hugo Leonardo Mercês

Parar no século XXI parece levar-nos a um sentimento de irreversível perda de tempo. E perder não está no vocabulário de uma humanidade neoliberalizada. O andar lento e a contemplação, realidades supostamente distantes de nosso ideal urbano, tornou-se ridículo.

Mas hoje decidi ridicularizar. E, assim, de repente e subversivo, parei para assistir ao por do sol. Em minutos sonhei com meus olhos abertos e ofuscados pela luz refratada em nuvens, refletida na pele velha e enrugada do rio Guamá e perdida numa garrafa vazia que destacava-se em suas águas. Aqui registro meu imenso lamento por quem jogou essa garrafa n’água e perdeu a oportunidade de escrever uma carta de amor para um qualquer desconhecido ou desconhecida.

E, com os minutos, as sombras vão delineando outras imagens, esclarecendo tons e verdades que o egoísmo da luz obnubila. Era noite. Perdi tempo, olhando o céu nas alturas e o céu refletido nas águas. Cercava-me tudo, menos certezas. Ao longe ouvia-se música de preto. Lembrei que sou baiano e senti um imenso orgulho disso. De perto ouviam-se batuques desafinados de pessoas que também contemplavam o crepúsculo e compartilhavam o prazer de ouvir música de preto.

Em instantes, o prelúdio da noite revelou a poética dissonância de muitos que param, perdem, vivem e permitem-se amar.

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Hugo Leonardo Mercês é advogado e membro do NARIS e no momento descobre as dores e delícias do seu ridículo. Em breve achamos que raia um palhaço do nariz dele! Já dá até pra ver o céu avermelhando de aurora!


Procura na Memória: A procura da arte pública

Da entrada à saída, por Gabriel Andrade

Da entrada à saída, por Gabriel Andrade

Quem Pró.Cura Acha, por Thiago Paladino

Quem Pró.Cura Acha, por Thiago Paladino

Após longo e tenebroso inverno, o Procura na Memória volta em dose dupla! O NARIS promove a ocupação dos espaços públicos para a Promoção da Saúde através da arte e da alegria. Dois de nossos artecientistas tratam de suas experiências em ambiências diversas:

Quem Pró.Cura Acha: Thiago Paladino, clown e artista de rua, relata suas primeiras experiências no ambiente hospitalar com a palhaço-terapia.

Da entrada à saída: Gabriel Andrade, estudante de medicina, relata suas primeiras experiêncas na praça pública como palhaço/artista de rua.

Promovendo a troca de saberes e a transdisciplinaridade, o NARIS e a Trupe da Procura investem na arte pública enquanto exercício cidadão. A saúde é uma praça pública e devemos ocupá-la! Estes relatos são ilustrações eloquentes que esta experiência é promissora! Confira!


Da entrada à saída

Da Entrada à Saída

O palhaço Canja rememora suas experiencias no hospital e na praça pública

Por Gabriel Andrade

Como esquecer do dia das crianças em que talvez tenha sentido mais medo? No qual seria eu o motivo da risada. Em que teria por plateia um público mirim sedento por algo que eu de certo discutia…mas não entendia. E mesmo que entendesse poderia ainda me perguntar se meus olhos seriam a fonte que saciaria sua sede.

E ali estava eu. Vestido. Pintado. Pasmo. Aparvalhado. Pronto? Um homem disfarçado de palhaço, disfarçando consigo suas ânsias, medos, baixa autoestima artística e uma série de coisas que seria por certo enfadonho discorrer tanto para mim quanto para quem lê esse texto.

Mas assim foi o prelúdio da minha primeira entrada na enfermaria pediátrica do Hospital Universitário João de Barros Barreto, no dia 12.10.2011. A entrada realmente fora um sucesso, mas dentro de mim havia o fracasso. Devo muito aos amigos que entraram comigo a chance de me esconder de mim mesmo, por trás de seus bons palhaços, de algumas músicas, de uma piada pronta. E aos mesmos devo a chance de descobrir em mim os medos, falhas e tragédias particulares de um palhaço recém-nascido, que se esconde atrás da fala e do chapéu que usa.

Após essa entrada tantas outras se sucederam. Admito ter falhado em todas, por isso me percebo triunfante, pois o que é o palhaço senão aquele que erra, perde, se engana, se reconstrói e refaz o mundo à sua volta. Logo devo admitir que ganhei em todas. Longe de ser objeto acabado, ainda busco a essência da substância do contato e do afeto.

Descobri muito cedo o medo do ridículo que enfrentamos todos na nossa Trupe (até que aprendemos a nos regozijar com ele, é claro). Descobri também que todo contato é um ato de coragem e que a procura do outro e de nós mesmos são ofícios indissociáveis. Ainda estou descobrindo, no entanto, que a coragem é a filha rebelde do medo e que só lhe é possível conquistar os domínios arrendados pelo pai severo.

Aí finalmente surge o estopim do ato heroico que agora divido com vocês neste texto, mas que só é heroico mesmo no meu íntimo pensamento último de antes de dormir e que a ninguém salva, a não ser a mim mesmo das minhas próprias vilanias.

Chego no nosso ensaio de sábado com uma proposta para a Trupe, dia 19.05(domingo), um dia após o dia da luta antimanicomial, ocorreria uma manifestação do MLA (Movimento da Luta Antimanicomial) de Belém, onde haveriam trabalhadores da área, usuários do sistema, artistas e quem mais se chegasse. Ora, seria um bom espaço de inserção para a Trupe. Mas todos com o domingo ocupado…sobrava apenas eu, que iria de qualquer jeito. Daí surge a proposta mais que indecente:

– Eu acho que deverias ir de palhaço, cara.

Daí surge o medo! Uma coisa é fazer uma entrada no hospital de palhaço, onde eu já conheço, o ambiente é familiar, sabidamente receptivo, além do mais sempre entramos em conjunto. Mesmo que fosse em praça pública, uma coisa é sair com um programa semi-estruturado, com a galera da trupe se dando apoio, mas assim…sozinho…sem nenhuma garantia ou porto seguro?

O sentimento de ser um homem disfarçado de palhaço me invadia de novo, a idéia de sair assim sozinho deixava o meu palhaço vazio e o que preenchia sua roupa seria novamente um homem: vestido, pintado, pasmo, aparvalhado. Até que o ensaio do sábado se encerrou e só sobrava o domingo seguinte, a dúvida e o medo… Mas faltava a coragem. E já que coragem não é coisa que venha assim de fora pra dentro da gente, mas sim que plantamos, fui lá e plantei a coragem (devo é claro lembrar do adubo dos amigos da trupe, principalmente do Vitor e do Bruno). Fui pra rua, de palhaço.

Resultado: alguns sorrisos e fotos, algumas pessoas que se aborreceram, um ou outro de cara emburrada. Mas o mundo era outro ali, e houveram abraços, olhares e apertos de mão. Houve dança e muitos dançaram. A subversão se tornou uma regra e o mundo estava mudado. Não foi fácil, mas, em meio à dor e ao receio, o palhaço tinha sido parido, nascia novamente como muitas vezes nasceu, no meio do povo.

Conclusão: Falhas muitas, não sei quantificar de tantas, mas sobrevivi. E ao tirar a roupa e o nariz percebi que era agora um palhaço que se fantasiava de homem, o ridículo estava ali ao alcance de quem observasse melhor. Sair na rua sozinho e desamparado foi uma libertação. Pensando bem, na verdade não estava tão desamparado, se eu estava ali é porque sempre carrego comigo a trupe inteira. E me carregam sempre a minha criança, o meu palhaço.

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Gabriel Andrade como Palhaço De la CanjaGabriel Andrade é o palhaço De la Canja, integrante do Serviço de Palhaço-Terapia da Trupe da Procura. Esta iniciativa faz parte do projeto de estímulo à produção literária, onde buscamos uma outra forma de registro e transmissão de nossas lutas pela saúde através da arte. Por uma nova forma de praticar saúde, alegre, poderosa, transformadora, ciente da riqueza cultural do homem e das potencialidades que o domínio da expressividade encerra. Essa é nossa provável cura, nossa eterna procura.


Quem Pró.Cura Acha

Queixo e seus comparsas no HUJBB

Queixo e seus comparsas no HUJBB

Por Thiago Paladino

Domingo é um dia atípico, dia de preguiça, morno, de ficar em casa, de sair pra festa, de não tomar café (almoçar direto) e conferir a lixo de casa e o que nos é transmitido pela TV ou pela internet. Notar que já estão lamentando pela segunda feira que ainda nem chegou!

“O dia de amanhã vai ser incrível, diferente de qualquer domingo!”

Dormi com essa confiança, mas o cérebro se programa involuntariamente para mais um sábado, pois como já dizia a música: “todo mundo espera alguma coisa de um sábado à noite”. Confesso que houve prudência, mas por costume mesmo, dormi tarde naquela madrugada, abri a janela e depois de uma longa conversa, respirei profundamente, me aquietei e fui dormi, pus minha confiança no despertador, meu cansaço no travesseiro e minha cama me abraçou de tal maneira… Traiçoeiros!

Todos me contaram, eu custei a acreditar, tudo contribui para você não ir! Pelo menos não foi somente pra mim…

De súbito acordei, ainda há tempo? Corre! Não toma café, banho e foi! Corre! Que sacrifício! Liga! Ninguém? Ainda há tempo? Houve um alívio, deu pra respirar, mas que aflição foi chegar até lá! Esqueci meu nariz! Que absurdo! Isso nunca tinha acontecido! Não há mais volta…Que bom!!!

Por um instante a cabeça vira mundo e gira e volta ao exato momento em que você quis aquilo pra si, quem estava com você e quem você era. O mundo com certeza gira em plano inclinado!

Quis ser palhaço porque sempre gostei de palhaços, espontaneamente ridículo, me aplicava na tarefa de fazer as pessoas sorrirem, mesmo quando eu mesmo não sorria por nada, só de conseguir fazer alguém sorrir, isso já mudava o meu dia. Um palhaço triste é a maior contradição que conheço em mim.

Aquele lugar simples e acolhedor seria nossa coxia, o púlpito estava pronto e nos aguardava. Aqueles sorrisos amistosos também queriam saber o que se passava, eu da mesma maneira. Estava tranqüilo, sossegado até demais para uma estréia. Não há anfiteatros ou muitas pessoas, mas há dentro uma vontade de fazer o bem, mesmo não sabendo o que me aguardava. Seria como eu imaginava? No ambiente que já vejo com certa resistência, um lugar que sempre tive aversão, me apresentaria para uma platéia que assim como eu, não se sentia muito bem de estar ali.

Passei o caramelo na mão, que seria chocolate, mas parecia café…

Primeiro quarto, isolamento, a realidade, a mãe ao lado, era o dia dela e ela estava ali, passando toda a atenção e afabilidade que sentia e que deveria ser dado a ela nesse dia a aquele pequeno corpo debilitado. O amor de mãe é tão inexplicável quanto à razão de seres tão inocentes como as crianças se encontrarem em tão triste circunstância. Se a filha estivesse bem de saúde, com certeza já teria oferecido a rosa a mãe, teria dado um beijo e passariam o dia todo juntas, sem nem se preocupar com o que havia lá fora. Acanhado, pouco falei, me dei ao direito de sentir, de me deixar levar, os bons espíritos me visitavam, a emoção veio, como bom palhaço a transformei em graça. O olhar mudou, meus amigos se transformaram em heróis, haviam “morfado” e era a minha vez, mas qual seria a minha dança?

Era o início de ótimos momentos, de inúmeras brincadeiras, improvisos arrancados do bolso, sorrisos sem intenção e muito mais sentimentos do que imaginei. O bufão que gritava pelo tumulto, pedia silêncio e passava sua vez a alguém muito mais afetuoso, muito mais ingênuo, o que era engraçado pelo ridículo, experimentava seu lado mais puro, lembrei de minha infância, a abracei, cantei e dancei com ela. Alguém quebrou uma maçaneta, e isso era bem mais do que uma metáfora, era hora de perder o controle e rir demais.

Há momentos inoportunos, com certeza. O picadeiro é outro.

-Que palhaço sem graça!

Então eu me virei, me ajoelhei tirei um nariz do bolso, o coloquei, e sorrindo:

-Você pode ser bem mais engraçada do que eu, é só sorri…

Ganhei o meu melhor sorriso ali.

Um sorriso simples de quem vem passando por tantos dissabores, valeu por dezenas dos que já estava acostumado.

A Vitória nos acompanhou em todas as salas. A vitória nos acompanhou…

Quando parecia que tudo tivera um fim, um pedido: Vocês não vão passar na Clínica Médica?

A ignorância muitas vezes nos protege de muita coisa e muito faz aquele que não sabe ser difícil fazer.

Elevador para diminuir a dor.

Chegamos fazendo barulho. Momentos mais emocionantes, músicas do coração, momentos em que as lágrimas rolam e que o palhaço sorri o mais modesto sorriso. Rostos, histórias, mães, mães multiplicado por dois, por três e a dedicação que é comum em todos os quartos.

Quem chegou pensando que poderia perder um dia de descanso de uma semana tão ruim, de aflições tão fortes, de estresses tão persistentes, acaba por ganhar o mais belo dia do mês, de edificar um espírito que deslembrou o que é amparar alguém, e muito mais do que por caridade, por humanidade, por bondade e a emoção toma vias tão mais rápidas, a mente por fim se encontra e agradece pelo cuidado. Catalisadora palhaçaria.

Deixei minha criança naquela pediatria, terei de voltar mais vezes para buscá-la…

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Thiago Paladino é o palhaço QueixoThiago Paladino é o palhaço Queixo, integrante do Serviço de Palhaço-Terapia da Trupe da Procura. Esta iniciativa faz parte do projeto de estímulo à produção literária, onde buscamos uma outra forma de registro e transmissão de nossas lutas pela saúde através da arte. Por uma nova forma de praticar saúde, alegre, poderosa, transformadora, ciente da riqueza cultural do homem e das potencialidades que o domínio da expressividade encerra. Essa é nossa provável cura, nossa eterna procura.